terça-feira, 26 de abril de 2016

Além da Linha Imaginária.

Capitulo Um
Ralo de gente.


Daqui de onde estou dá para ver. A catedral perfeitamente, uma cópia em miniatura da Catedral de São Pedro em Roma, com a passarela que vai serpenteando até chegar aos seus pés. De onde estou dá para ver muito mais do que isto.
Lembram-me a mística ponte para Asgard, Bifrost, que leva para a cidade dourada e as terras circunvizinhas. Heimdall, o guardião eterno, que da passagem somente para os que têm permissão de Odin.
Aqui nesta cidade os guardiões são outros e os deuses que lá estão são feito de pedra e gesso. Os sonhos são como os deuses quando não se acreditam neles deixam de existir. Os nórdicos sãos estudados como mitos do passado, imagino quando estes irão fazer companhia aos outros.
O hotel é uma merda, como minha vida, e de muitos outros nesta cidade. De dia é uma coisa a noite transforma-se em outra. Sei do que estou falando, tenho caminhado por muito tempo por estas estradas.
Mas, não estou por aqui para pagar promessa e nem para fazer turismo. Está quase na hora. Tenho que ir. Coloco a aquela camisa branca, que comprei no Leblon, No Rio de Janeiro. Faz tempo que não ando por lá. Puta cidade, ou, uma cidade puta. Tanto faz.
Pego a mochila, tudo que preciso está nela, não tem muito e nunca vou ter. Bato a porta, não a tranco, não tem nada lá para ser roubado. Também, não pretendo volta mais para esta espelunca.
Desço as escadas, não tem elevador, os degraus são de azulejos vermelhos, estão faltando alguns. As paredes estão igual bunda de mendigo, sujas até o último centímetro. Falando nisto tem um jogado em um canto, barbudo, preto de sujeira de cima a baixo. Levanta a mão me pedindo algum dinheiro. Olho para ele, repete o pedido, precisa de ajuda. Vou ajudá-lo. Sei do que precisa.
O som do pescoço dele se quebrando foi meio nauseante, mas perfeitamente eficaz, lembrou uma galinha quando tem o pescoço despedaçado, mas uma galinha tem mais serventinha do que este ai. Muito mais serventia. Olho para um lado e para o outro, certificando que ninguém me viu. Ele queria minha ajuda, o ajudei da melhor maneira que podia.
Passo pelo porteiro, um veado que se veste de mulher, com uma peruca loira, batom bem vermelho, com uma pinta, falsa, em uma das bochechas, olhos claros, lente de contato e vestidos espalhafatosos. Tenta passar por uma atriz de cinema, que ficou famosa em uma cena de metro. Só tem um problema, o cara é mais preto que carvão. Será que ele não tem espelho em casa. Andou se engraçando para cima de mim uma vez. Quis dá para mim, sabe o que eu fiz? Comi ele, de graça até injeção na testa! Não dou bola para a bicha, tenho coisas mais importantes para fazer.
As calçadas são horríveis nesta região, como em todas as cidades do mundo, quem é pobre sempre fica com a pior parte. Sei do que estou falando por experiência própria.
Minha mão matou meu pai quando tinha doze anos, o velho sempre batia nela, mas naquele dia ela se vingou. Pegou a faca e meteu no peito dele, desceu até abrir a barriga, as vísceras caíram no chão, foi horrível. Vi tudo enquanto bebia meu café.
O que minha mãe fez? Colocou a faca em minha mão. Explicou que por ser menor não ia pegar nada para mim. Fui parar na FUNABEM e ela sumiu no mundo. Grande mãe sou um verdadeiro filho da puta! Fui violentado na primeira semana. Um crioulo forte que era dono do pedaço me pegou enquanto dormia. Fui levado para e enfermaria no outro dia para costurarem meu rabo. Andei de perna aberta por um bom tempo, comendo pouco, já tentou ir ao banheiro com a bunda toda costurada? Não, claro que não! Nós nunca pensamos que isto vai acontecer com a gente.
Tinha um velinho que dava aulas de boxe lá, era um dos programas da prefeitura, somente para os internos que tinham bom comportamento, antes que fosse suspenso aprendi o que podia. Nas semanas seguintes dividir o meu tempo em duas coisas: aprender o máximo que podia e em fazer de uma colher uma faca.
Foi algo rápido, enfiei somente nos rins e pulmões do filho da puta, com os rins esguichando sangue, sem respirar direito e com o que aprendi foi algo lindo de se ver. Ele ofegante tentando me pegar e eu banhado de sangue escorregando dos seus dedos, esquivando de todos os golpes. Meti uma em sua garganta o sangue foi a uns dois metros atingindo a parede. Parecia um chafariz. Comi a bunda dele enquanto ele gemia e esvaia em sangue. Aqui se faz aqui se paga! Não é o que dizem.
Coloquei a faca na mão dele, tomei banho, mas mesmo assim fui pego. Falei que foi em legitima defesa. Peguei mais alguns anos e depois sai. O que fiz? Fui aprender boxe. Não consegui entrar no meio profissional, cai em uma outra categoria.
Em todo o mundo tem o boxe ilegal. Dois animais entram no ringue. Um sai andando. Não somos mais do que isto, animais! Sou branco, mas por ter um metro e sessenta e ser filho de nordestino carrego em mim a maldição dos calangos. Não consegui uma luta justa em nenhum lugar, por fim só tinha uma coisa a fazer. Ganhar dinheiro matando, ou quase, os outros em qualquer lugar que me pagassem. Não precisava pensar no dia de amanhã, não tinha perspectiva de futuro mesmo.
Foi em uma briga no Espírito Santo, no porto de Vitória, que um cara veio falar comigo sobre uma luta que seria diferente, mas séria. Algo diferente mas sério, parece papo de suruba. Algo que faço meio contra a gosto. Se topasse iria ganhar um dinheiro bom, estava mais duro do que pau de galinheiro. Topei na hora. O que seria pior do que isto que já faço?
Lá vem novamente, uma mulher com uma criança no colo, pedido uma ajuda. Cuspo! Cai em cheio na palma de sua mão. Ainda posso ouvir seus gritos me xingando de tudo que é palavrão. Dane-se! Foda-se mesmo! Os outros me olham desaprovando o que fiz. E daí? Estão me julgando, esta sociedade maldita que faz exatamente isto: julga os outros e não a si mesma. Uma porção de moleque morre de fome todos os dias, quem ajuda? Uma cacetada de mulheres se prostitui por ninharia, quem auxilia? Uma caralhada de neguinho ladrão de galinha está apanhando da polícia nas delegacias, quem vai falar sobre direitos humanos? Juizes, promotores, advogados porra nenhuma! Só existe justiça entre seus pares! Para eles estes animais não fazem parte do que eles consideram como pares, iguais. As leis que eles fazem são como teias de aranha, só servem para pegar os fracos.
Chego ao local combinado. Um galpão velho. Bato na porta, um par de olhos negros me encaram. Dou a senha. A porta se abre. Entro. Sou guiado por um baita negão de dois metros. Não gostaria de enfrentá-lo no ringue.
Levam-me para uma sala, diz para me arrumar, quando estiver tudo pronto àquela porta irar se abri, devo seguir por ela. O ringue está no final do corredor. Faço o que me mandam. A porta se abre. Passo por ela, sigo o corredor até o final. Saio em um buraco, como se fosse uma enorme rinha de galo cavado no chão. Não faz muita diferença entre os que os galos fazem e o que vou fazer hoje aqui.
Há uma gritaria danada, uns caras bem vestidos e outros nem tanto. Umas mulheres com cara de modelos que trabalham de noite e descansam de dia. Um cara gordo, careca, cheio de anéis com guias no pescoço faz sinal. Olho para todos os cantos para perceber que o lugar está meio nas sombras. Quase escuro, com quem eu vou lutar afinal.
O teto do galpão é aberto, faz um pouco de barulho, dá para ver o céu estrelado, lindo. Vagarosamente a lua vai aparecendo no buraco do teto. Como se fosse uma foto que vai sendo revelada aos poucos o local vai se iluminado com a luz. Do nada, realmente do nada, um baita de um cachorro salta em cima de mim. Caio, alucinado sem saber o que está acontecendo. De onde veio aquilo? Se não fosse à corrente que ele tem na garganta já teria me fudido todo.
É isto, contra isto que vou ter que lutar? Faço o que todo cara esperto faria, dou a volta e tento cair fora. A porta se fecha bem na minha cara. Mas, uma outra se abre bem atrás no cachorrão. Está certo, entendi a parada. Só que tento uma outra saída, tento escalar a parede da rinha. Quase consigo, mas uma das mulheres esfola com o salto alto os meus dedos, olhando bem nos meus olhos e rindo de minha cara. Caio novamente na fogueira.
Foi fundo, senti indo bem fundo em minha carne, as garras fizeram umas fileiras em minhas costas. A dor foi aguda, um fio amargo percorreu todo o meu corpo até chegar a minha boca, amargo bem amargo. Encostei na parede, o sangue escorria manchando-a.
Era enorme, como nunca tinha visto antes, parecia ter saído do quintos dos infernos para vir me pegar. Babava, os dentes eram enormes, os olhos eram vermelhos, devem ter dado alguma droga para ele ficar assim, só podia ser.
Olhou para mim, sabia que eu estava com medo, porra quem não estaria? Quer meu sangue? Minha carne? Então vem, pode vir. Tiro a camisa, enrolo em meu braço. Encaro o bicho. Os dentes ultrapassam a camisa, sinto entrando em minha carne. Não dou brecha. Dói feito o diabo! Mas, agüento. Esmurro com todas as minhas forças. Ouço os desgraçados gritando e dando gargalhadas. Alguém aposta uma boa grana no cachorro. Também apostaria. Não vai dar, sinto que meu braço não agüenta por muito tempo. No fundo dois bichos brigando, um bicho-gente e outro um bicho-cão. Jogo ele no chão, tendo quebrar o seu pescoço torcendo-o o máximo que podia. Sinto que o que vai partir é o meu braço. Aperto o gogó do bichano, solta um pouco o meu braço, tiro dali antes que o perca. Volto novamente para o canto, quem está controlando a corrente não deixa que ele venha me pegar. O show tem que durar um bom tempo eles pagaram para isto.
Tento fugir novamente escalando a parede, desta vez um cara com uma peixeira vem tentar me acertar, caio antes que ele me atinja. Olho para o cachorro, por um momento parece que ele está rindo de mim. Nunca vi um cachorro ri antes. Mas, parece que é isto que ele está fazendo rindo da minha cara. Está sentindo o meu medo, farejando a minha dor, sabe que não tenho para onde ir. Estou com medo! Medo, muito medo! Nunca em minha merda de vida senti tanto medo assim!
Afrouxa a corrente, ele vem com tudo em minha direção, só tenho tempo de abaixar e pega-lo pelo tronco. Caio com ele no chão, ambos rolamos, fico por cima, tentando dar um sossega leão. O cão é forte, tanto que parece que fica nas duas patas e me esmaga contra a parede. Sinto que minha coluna quase parte ao meio. Os seus dentes cravam em minha barriga enquanto estou sem fôlego, tentando me erguer.
O sangue corre a baldes, como no meu velho, lembro dele e tento ver se minhas tripas estão para fora. Não, ainda não! A corrente é puxada com força, o bicho não gosta. Sei como é isto, ninguém gosta de ter a corrente puxada com energia. No fundo não há muita diferença entre mim e este cão. Estamos aqui para distrair estes filhos da puta. Antes era no Coliseu de Roma, agora aqui neste buraco. Dois animais entram e só um sai. Tenho uma idéia!
Corro, com todas as minhas forças, dou um impulso, tento subir novamente a parede e desta fez tenho quase êxito. O cara com a peixeira vem a toda para me cortar, com um jogo de corpo, deixo desferi o golpe, que pega na parede, seguro o braço do safado e puxo-o para a rinha. Todos vão à loucura quando o coitado é trucidado pelo bichão. É nojento, o cachorro enfia o focinha dentro da barriga do homem, trazendo as tripas dele para fora e devorando de uma vez só. Não vou chorar antes ele do que eu.
Pego a peixeira, tendo ir em direção a saída, mas ele é mais rápido e fica em frente à porta. Dou alguns passos para trás. Percebo que a corrente e afrouxada novamente, desta vez dão uma folga boa. Com toda a fúria vem para cima de mim. Seguro em sua garganta, o bicho tomba por cima de mim, caímos os dois.
Enfio, com toda a força bem no meio do peito dele, a peixeira vai fundo, dividindo o coração do bichão. Sinto o sangue quente caindo em cima de mim. Seus olhos fitam os meus, sei que está morrendo, cada gota é um grão que cai na ampulheta destinada à extinção.
O peso do seu corpo vai mudando, diminuindo cada vez mais, seus olhos não são mais de uma cor vermelho de ódio e destruição, tomam um tom mais humano. Suas patas se transformam em membros, seus pêlos desaparecem. Diante de mim tenho um homem, que tenta balbuciar algumas palavras. Tento escutar, sussurra somente uma palavra: covardia. Morre em cima de mim. Não era um cão, nem um bicho-cão, era um bicho-homem como eu e tantos por ai. No fundo é sempre assim, dois animais entram no ringue só um sai vivo. Só um.

Darlon Carlos.
Histórias curtas.
Capítulo Um.
Os Ocultos.



Caro amigo,


Faz tempo que não nos vemos, os dias se transformam em semanas que por sua vez formam meses que, quando menos percebemos, tornam-se anos. Há quanto tempo não nos falamos pessoalmente? Desde daquele dia em que estávamos na Corte, que a deixou de ser para dar lugar à modernidade dos tempos, fomos testemunhas do nascimento da República! Nos dois ali na rua vindo de uma noite de boemia. Fomos tomados pela notícia de que o Brasil se juntava aos países em desenvolvimento, banindo para sempre os ditames de um imperador para ser dirigido pelo povo e para o povo.
Claro que ainda não sabemos direito o que seja a República, não sei se de fato iremos saber, mas podemos dizer que ela é a modernidade, então viva a República!
Espero que esteja tudo bem com você e que sua profissão de médico não esteja te privando muito das noites em companhia de seus amigos e, claro, amigas. Não podemos nos esquecer de seguir a alegria da vida, já que os flagelos são sempre presentes em nosso ser.
Bem, deixemos os preâmbulos de lado. Tenho muito que contar. Desde que deixei a capitão e voltei para a fazenda, tenho me comprometido com os pés de café que minha família deixou para mim de herança. Mesmo não tendo muita inclinação para este tipo de negocio, empenhei-me com todas as minhas forças para atingir o melhor que fosse o que meu finado pai esperava de mim. Sei que ele ficaria orgulhoso de me ver agora, pelo menos é que eu suponho.
Sempre tive uma grande inclinação, e você bem sabe disso, para as disciplinas que tratam da natureza. Sendo assim, sempre que tinha um tempo punha-me a cavalgar pelas planícies e serras que circunda os arredores, foi em uma destas excursões que encontrei um objeto estranho no meio de um lugar alagadiço.
Um local próximo do pântano que sempre ia para brincar, mas que meus pais não gostavam por achar que era muito perigoso. Incrível como eu não me lembrava mais daquelas bandas. Como se minha mente tivesse criado um bloqueio que não permitisse encontrar o caminho novamente, antes tivesse seguido minha consciência. Nada disso teria acontecido. Somente os tolos andam por lugares onde os anjos temem trilhar.
Mesmo minha montaria protestando, entrei nas águas pantanosas para chegar mais próximo do artefato. Era um disco, metálico, com aproximadamente 50 cm de largura, fino, não muito espesso. O que chamou minha atenção que ele deveria estar ali há um bom tempo. Era isto que aparentava. Pela vegetação que tinha crescido tomando quase por completo.
Uma das principais premissas de um cientista é não deixar nada deter nossa curiosidade. Foi o que eu fiz! Nada impediu de soltar de meu cavalo para ir averiguar melhor o que tinha vindo do espaço, pois com toda a certeza aquilo não era deste mundo.
O objeto estava vazio, o que me deixou muito macambúzio. Não tinha nada dentro dele. No entanto, por fora pude perceber uma serie de inscrições que mais pareciam ser hieróglifos. Quando estava a estudá-los meu cavalo deu um sinal de que algo estava errado. Contudo, olhando para todos os lados não pude perceber nada de anormal.
Minha montaria disparou deixando-me só em meio ao alagado, fui a seu encalço, mas antes que me desse conta estava no chão, entre as águas sujas. Uma fisgada, uma dor descomunal, lançou-me ao chão. Minha perna, algo tinha picado a minha perna. Na altura da panturrilha. Mesmo com as botas o que me feriu tinha presas poderosas.
Desesperado tentei sair da água, a dor foi alojar-se em minha cabeça, logo a sentir em todo o meu corpo, mas o foco era a perna esquerda que tinha sido alvo da mordida. Fiquei desgovernado.
Alcancei meu cavalo, com muito custo fiz com que ele me levasse de volta para a casa grande. Desfaleci antes de chegar à porta. Alguns negros, ex-escravos, que ainda ficaram depois de proclamada a Lei Áurea, me ajudaram.
Acordei na cama sendo auxiliado pelo médico da vila, Dr. Denis Chartier, um homem com descendência francesa. Que me examinou, informando-me que eu tinha sido mordido por algum tipo de animal peçonhento.
Recebi os cuidados devidos, por algum tempo fiquei de cama, levantei mas a chaga não me deixava ter um andar normal, logo depois ela sarou, deixando-me pronto para outra aventura. Não pude retornar para ver o estranho objeto, o trabalho com a colheita deteve-me por mais tempo do que eu imaginava e, além disso, o artefato não iria sair dali mesmo.
Entretanto, as coisas foram mudando e para pior. Comecei a sentir um inchaço em minha perna que não era normal. Uma dor que latejava freqüentemente. Impedindo-me muitas vezes de cumprir com as minhas obrigações na fazenda.
Quando fui novamente examinado pelo Dr. Chartier ele não teve dúvidas, minha perna estava gangrenando! Era necessária uma cirurgia rápida: minha perna tinha que ser amputada!
Um dos cômodos mais arejados da casa foi usado como sala de cirurgia. Nela se encontravam Dr. Chartier, meu criado de confiança Crispin e uma enfermeira robusta e roliça senhora Elsa. Ministraram algumas drogas para diminuir a dor. Contudo, no processo de amputação da minha perna, que foi feita um pouco abaixo do joelho, notaram que o sangue que brotava não era comum, normal, mas sim de uma forma pútrida, indo para um tom esverdeado. Consideraram isto como algo advindo da situação de gangrena.
A operação foi concluída com sucesso. Meu membro foi colocado em uma mesa próxima e coberta com um lençol. As ataduras para o curativo foram colocadas pela enfermeira, tudo caminhava como planejado quando algo chamou a atenção do cirurgião. Algo vindo do membro amputado.
O lençol se movia, como se minha perna ainda tivesse algum tipo de mobilidade, o que seria impossível. Apesar disso, algo se movia por debaixo do lençol. O Dr. Chartier o descobriu para ver o que ocorria. Foi uma surpresa para todos.
A perna amputada movia-se lentamente, os dedos e as articulações estavam se movimentando vagarosamente. Todos ficaram admirados, mesmo eu que me encontrava sob os efeitos das drogas não pude esconder o meu espanto. Era algo inominável!
Mas, as coisas não terminaram por ai. Quando o doutor apalpou o membro para ver melhor o que tinha ficou aterrorizado quando, de dentro dele, saiu algo que não tem semelhança com nada que conhecemos neste mundo.
Uma larva espectral! Transparente, albino, não sei se era albino por ser transparente ou se era transparente por ser albino. Uma gosma em forma larvar. Emergindo de dentro do que antes tinha sido parte do meu corpo. Se alimentando de minha carne e do meu sangue. Desfaleci!
Acordei em meu quarto, em lençóis limpos, com a enfermeira abrindo as cortinas. Logo que percebeu que tinha despertado do sono, chamou para me examinar o médico junto com ele veio o meu criado. Todos me olhavam de forma estranha!
Imediatamente indaguei sobre o estranho verme que tinha saído de minha perna. Todos negaram acintosamente. Dizendo que nada tinha ocorrido de estranho na cirurgia. Tudo tinha saído perfeitamente bem.
O que tinha visto foi creditado as drogas que tinha sido ministrada para a dor. Não pude concordar com isto. Caro amigo você sabe que nunca fui fã de histórias extraordinárias. Meus livros de cabeceira não são de Edgar Allan Poe e nem dos autores que órbitam ao seu redor. Sei o que vi e o que senti!
Deixei as coisas como estavam. Voltei, da melhor maneira que pude, para a minha rotina. Entretanto, o Dr. Chartier sempre vinha me visitar para ver como eu ia, mesmo que a ferida tenha sarado completamente e esteja usando uma perna de pau, ainda assim sempre vem para ver como estou.
Não somente isto deixou em minha casa a sua enfermeira que tem sempre os olhos sobre a minha pessoa. Não me perde de vista nem um minuto se quer quando estou na Casa Grande, e quando encontro-me nos cafezais ai é meu empregado, Crispim, que tem seus olhos em mim. Estão me vigiando, mas para que e por quê?
Um dia consegui fugir da vigilância e peguei minha montaria. Fui em direção ao pântano para ver o estranho objeto. Quando lá cheguei não o encontrei. Tinha desaparecido! Sumiu completamente! Sem deixar rastro. Algo estava acontecendo.
Eles estão me observando, vigiando, querem algo, mas o quê? Por favor meu amigo venha imediatamente. Com seus conhecimentos médicos poderá me ajudar melhor. Tenho confiança em ti. Sei que sempre foi um pesquisador de fatos estranhos. Esta é sua oportunidade de colocar em uso tudo que estudou nos compêndios que tanto fazia alarde.
Tenho medo que algo esteja crescendo em mim, tomando o meu ser, corroendo minhas entranhas, fazendo uso do meu corpo. Tenho tomado uma quantidade enorme de água! Algo que beira a bizarrice! Não só eu, tenho notado este mesmo sintoma nos outros. O que tenho dentro de mim! O que cresce de forma oculta em meus membros. Por que não me mataram quando tiveram oportunidade? O que eles querem? O que fazem em nosso meio? Por que se ocultam em nossas vísceras? O que são?
Colocarei pessoalmente esta carta no correio da cidade, esperando que chegue logo até você. Venha meu caro amigo, necessito de sua ajuda mais do que nunca. Será que estou enlouquecendo? Não, algo em mim diz que não! Algo que vem de dentro do meu ser, algo oculto. O que será? Nas brumas do tempo escondesse as resposta de perguntas que são feitas nos eirados das portas.

Cordialmente,

Do seu amigo,

Augusto Queiroz Freire.

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